O problema não está nas “redes sociais”

Hoje eu escutei o excelente episódio “As redes da discórdia” do podcast “Ciência Suja”.
Recomendo que você escute e preste bastante atenção nas referências. O pessoal fez um trabalho muito bacana para organizar uma linha de pensamento coerente e que deixa muito fácil de entender de onde vêm parte da influência para o estado de discórdia e conflitos que vivemos.

Eles fazem um excelente serviço ao recuperarem o texto do Richard Barbrook e do Andy Cameron (embora este último não receba o crédito) sobre a Ideologia Californiana e traçarem uma linha evolutiva até chegarmos à economia da atenção, a era do capitalismo de vigilância (embora não citem diretamente o trabalho da Shoshanna Zuboff), a máquina do caos de Max Fischer e chegando ao Byung-Chul Han no excelente Infocracia.

Chamo atenção para o final do episódio quando o principal narrador faz uma reflexão sobre o antagonismo das “redes sociais”, quando ele recupoera o exemplo de quando seu laptop foi furtado e ele usou da dinâmica de redes que é presente na internet de forma bem prevalente para fazer uma vaquinha e recuperar o $$ para poder comprar outro computador e seguir trabalhando.

Aqui entra o motivo de eu estar escrevendo este post.

Minha questão com a abordagem que se tem tido sobre o assunto encontra um exemplo bem legal do problema que me refiro neste caso que o narrador do podcast fala.

Ele fica pesaroso porque acredita que as redes sociais podem ser bem bacanas (dando o exemplo da vaquinha para a compra de seu computador) e ao mesmo muito prejudiciais (com os vários exemplos que abundam no episódio).

Este antagonismo tem uma explicação clara e é esse exatamente o ponto que vem me incomodando.

As redes sociais são as conexões entre as pessoas. Elas existem desde que a gente (seres humanos) começou a se agrupar e viver em conjunto.

Ao chamar o Instagram, o YouTube, o TikTok e o Facebook de “redes sociais” as pessoas passam a confundir as coisas. Daí o antagonismo retratado pelo narrador do podcast. Ele não precisaria existir.

Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e congêneres são plataformas sociais. Serviços de mídia social que têm características de rede, mas não são as redes. As redes são as conexões entre as pessoas que se manifestam nestes lugares. Nos sites de mídia social a gente consegue ver algumas redes, mas as redes extrapolam isso.

Pode parecer apenas uma questão semântica, mas é mais do que isso. pensa comigo…

Quando a gente chama estes serviços de “redes sociais”, estamos atribuindo a eles um poder que não é exclusivo deles. Reunir pessoas é algo que já fazemos coletivamente muito antes da internet. Isso proporciona excelentes consequências e também desdobramentos questionáveis. Já vimos tudo isso na história da humanidade até chegarmos ao século XX.

Foi ao final do século XX que começamos a ver na internet os serviços / plataformas de mídias sociais que exibem listas de atualizações de pessoas em forma de feed e que são montados por meio (primordialmente) de intervenção /  manipulação algoritmica. Estes serviços comerciais que tem-se chamado – a meu ver equivocadamente – de “redes sociais”. Estes serviços, no entanto, são apenas espaços em que pessoas circulam conteúdo. Isso não tira deles relevância, mas não os qualifica como “redes sociais”. Chamar estes espeços de “redes sociais” é, nesse sentido, equivocado.

Além disso, a gente desvia o foco daquilo que é realmente prejudicial. A manipulação algorítmica destes serviços visando a maximização do tempo de tela para coleta ostensiva de dados e futura utilização em ações publicitárias altamente direcionadas.

E é exatamente neste ponto que está o problema que é discutido em quase todas as publicações citadas neste meu post e no episódio e, claro, no episódio em si.

Ou seja: o problema não são e nem está nas “redes sociais”. As ligações entre as pessoas nada têm a ver com isso.

O que acontece é que quando a gente adota massivamente plataformas sociais comerciais que visam o lucro e, por isso, manipulam algoritmicamente o que é exibido aos usuários, temos muitos problemas.

As plataformas sociais que não são manipuladas algoritmicamente (como o pixelfed, o mastodon e demais serviços que constituem o chamado fediverso) não têm as características negativas enumeradas no episódio e em publicações como o “máquina do caos”, por exemplo. Isso faz uma diferença danada porque quando as pessoas equivocadamente falam que o problema está nas famigeradas “redes sociais”, aquelas que não têm o feed manipulado por algoritmos acabam caindo no mesmo balaio de malvadezas criado por esta forma de enxergar o problema.

O alto custo das coisas gratuitas

Não existe almoço grátis.

Desde 2019 eu venho testando diferentes bancos. A insatisfação com a instituição que eu estava usando há anos havia crescido tanto que eu, naquele momento, decidi fechar a conta e testar novas soluções. A portabilidade bancária é uma coisa libertadora.

A facilidade de abrir (e fechar) uma conta por um aplicativo ajuda muito no processo de pesquisa e definição de uma instituição bancária a usar. Mesmo que seja muito simples fazer todo o processo, entendo que o ideal é desenvolver uma relação mais duradoura com uma instituição bancária.

Eu testei e tenho testado alguns bancos ao longo destes anos. Já usei vários, mas acabei estacionando em uma instituição das mais tradicionais; daqueles bancos que tem agência. 🙂

Só que eu mantenho uma conta com apenas alguns centavos no Banco Inter pelos motivos mais preguiçosos:

  1. shellbox
  2. estacionamento rotativo

Há algumas semanas tenho me pegado pensando em como me desvencilhar dessa preguiça. Uma coisa me incomoda bastante e está ficando insustentável.

O aplicativo do banco Inter tem uma porção da tela mostrando postagens de pessoas e entidades ligadas ao banco e seus proprietários/controladores. Não há como desabilitar isso. O serviço se chama “Forum Inter”. Pessoal pegando pesado no esforço de influenciar os correntistas.

Eu consigo reconhecer algumas pessoas pelo nome, mas não sei quem são as outras. Imagino que sejam pessoas importantes do banco. Mas o fato é que isso pouco me interessa. Pouco me importa se eles são os donos da CNN ou se têm alguma opinião sobre o Clube Atlético Mineiro. Eu abri este aplicativo para fazer um pix.

Não quero uma dica de clube de investimento e nem saber qual foi o faturamento do banco no último trimestre. Como eu disse, eu quero fazer um pix.

Eu entendo ser este um “produto” que o banco usa para falar de si mesmo, das coisas que se relacionam com o banco e até acato a proposta de uma comunicação direta com o consumidor. Mas…

…tem três coisas que me incomodam profundamente nisso.

A primeira delas é que eu não pedi e nem permiti isso. Como consumidor de um serviço, sinto-me com o poder de escolher o que quero e o que não quero. Isso apareceu pra mim sem que eu quisesse ou solicitasse. Não é uma funcionalidade do serviço bancário e nem nada relacionado a uma. Nesse sentido, sinto-me desconfortável com aquilo na tela.

Eu não pedi e muito menos confio na capacidade de curadoria de conteúdo em forma de postagens curtas (à la twitter) de um banco. O espaço do aplicativo do banco é o espaço de realizar os serviços relacionados à minha vida financeira. E pronto. Este é o tipo de aplicativo que a gente abre, executa o que precisa e fecha. Não quero nenhum outro tipo de distração nesse processo.

A segunda coisa é a falta de controle. Vamos que o banco não abra mão dessa ferramenta. Como ela não é relacionada às transações que eu faço no aplicativo eu poderia simplesmente remover aquilo da minha interface.

Sendo esta porção da tela referente a algo que não é um serviço oferecido pelo banco, eu gostaria de poder simplesmente eliminar aquilo da interface. Mesmo que o banco ache isso a coisa mais legal em termos de comunicação, eu gostaria de poder remover aquilo. Falando em termos de experiência do usuário, esta porção da tela me mostra uma informação que eu não quero e nem pedi para ver. Não é algo relacionado ao serviço oferecido pela instituição; tratase de uma coisa totalmente secundária. Entendo que se houvesse um botão de “remover isso” eu não seria a única pessoa a apertá-lo.

A terceira coisa que me incomoda é o fato de este espaço poder ser usado para um tipo de comunicação e espalhamento de informações que não necessariamente servirão ao meu propósito como consumidor do serviço dessa instituição. Pelo contrário.

Quem diabos é Bernardo Pascowitch e porque o que ele está falando sobre Bitcoin está aparecendo na tela do meu aplicativo de banco quando eu quero apenas fazer um pix?

Quando você não está pagando por alguma coisa, você é o produto

Talvez das três coisas que eu falei acima, a terceira é a que mais me incomoda porque é algo que vai muito além da experiência ao usar um aplicativo. Os impactos podem ser muito mais profundos e marcantes. As consequências podem ser muito mais danosas.

Pensemos que o banco Inter tem mais de 34 milhões de clientes. São 34 milhões de pessoas que abrem este aplicativo quase que diariamente ou às vezes múltiplas vezes ao dia. Cada vez que cada um desses clientes abre o aplicativo, o banco (ou seus controladores) têm a oportunidade de “falar algo” para estas pessoas.

A CNN Brasil, outra empresa que os donos do Inter tem, é uma emissora de televisão que está 24 horas por dia no ar e não tem essa audiência.

Pensemos o que pode ser feito com uma audiência desse tamanho. No caso da imagem que eu coloquei acima, uma pessoa falando sobre Bitcoin tem uma audiência potencial compulsória de 34 milhões de pessoas.

Não é uma pessoa qualquer e muito menos é alguém que eu escolhi acompanhar ou mesmo querer saber o que pensa sobre Bitcoin. Alguém escolheu isso pra mim e está me forçando a ver isso na tela do aplicativo de banco que eu abri quando queria apenas fazer um pix.

O tal Bernardo não é uma pessoa qualquer. O que ele fala traz uma agenda. Não necessariamente é a minha agenda. E é aí que mora o perigo. Ele e todos os outros que aparecem ali são pessoas com várias intenções e as 34 milhões de pessoas que estão potencialmente vendo estas postagens não fazem a menor ideia de quais são essas intenções.

Colocar uma ferramenta/funcionalidade/seção como essa num aplicativo de banco não é algo que acontece por acaso. Não é um tiro no escuro. É algo pensado e planejado e leva em conta (dentre várias outras coisas) o fato de 34 milhões de pessoas potencialmente verem aquelas mensagens diariamente.

Pensando nas potenciais consequências e desdobramentos disso me faz chegar à conclusão de que oferecer serviço bancário gratuito é um baita investimento para o Inter.

 

WhatsApp com IA. E agora?

Ontem, dia 22 de outubro, a Meta (anteriormente conhecida como Facebook) começou a integrar umaferramenta dessas que estamos convencionando chamar de IA nos grupos do WhatsApp [1].

Ao que tudo indica, chegou a hora de a empresa coletar os dividendos resultantes do investimento feito em quando pagou 22 bilhoes de dolares pelo aplicativo de mensagens em 2014 [2].

Para fins de referência, a Meta pagou um bilhão de dólares pelo Instagram em 2012 [3]. Hoje, 12 anos depois, o Instagram proporciona à meta quase 50 bilhoes de dólares em lucro anual [4].

Era, portanto, de se esperar que a empresa estivesse investindo pesado em formas de lucrar com a compra do WhatsApp. Como comecei falando, parece que este momento chegou.

O potencial sempre foi alto (acho que isso fica claro ao observar o intervalo de tempo entre a compra do Instagram e a compra do WhatsApp e a diferença dos valores pagos pelos dois produtos). Apesar disso, até hoje o WhatsApp não mostrava números de faturamento muito convincentes.

Ainda assim, a empresa sempre apostou muito no aplicativo.

O motivo disso é bem claro: as informações que são trocadas dentro do ambiente do WhatsApp são valiosíssimas. É no WhatsApp que as pessoas vão trocar confidências com quem não está perto. É por ali que você e as pessoas com quem você tem intimidade vão conversar sobre coisas que não querem que o resto do mundo fique sabendo. São em diversos grupos de mensagens privados que funcionários agilizam a execução de tarefas e conversam sobre o trabalho em inúmeras empresas ao redor do mundo. O potencial deste mundo de informações é virtualmente ilimitado. Por isso que quase ninguém estrenhou que por dez anos o aplicativo seguiu gratuiito e gerando muito pouco em faturamento para o Facebook / Meta.

Dados de 2023 mostram que naquele ano, o WhatsApp gerou perto de 1.3 bilhão em lucro [5 ].

Voltando às comparações, isso é quase 50 vezes menos que o Instagram gerou em lucro no mesmo ano. Observando essa diferença e aquela outra referente a quanto cada um dos produtos custou, é de se esperar que a fome da Meta seja grande. Os acionistas devem estar mais do que ansiosos para ver o dinheiro começar a entrar de verdade em retorno pela compra do aplicativo dez anos atrás.

Com as ferramentas de aprendizado em larga escala, chegou a hora da colheita.

Mas aqui cabe um parênteses. Estou falando dessa forma, com a perspectiva de retorno efetivo de investimento começando a acontcer agora em função dos números reportados pelo Facebook / Meta. Há quem pense e insinue que ações de publicidade altamente direcionada no Instagram já estejam usando dados obtidos em conversas no WhatsApp há tempos [6].

Então… a ferramenta de IA no WhatsApp foi anunciada esta semana.

Desde ontem, para mim, os grupos dos quais participo agora tem um membro a mais, a IA da Meta. Isso não parece estar ainda 100% claro para todo mundo. Em meu caso, eu uso o WhatsApp no iPhone e no computador, versão web. Como na versão da web as coisas demoram a aparecer, não é de se estranhar que nada apareça lá durante os próximos dias ou mesmo semanas. No entanto, também não consigo ver nada de forma muito clara no aplicativo de meu telefone. A única coisa que percebo é essa diferença de uma unidade entre o número de pessoas declaradamente presentes num grupo e o numero de usuários que eu conto no grupo. Tem sobrado uma pessoa (a IA da Meta). Ontem, em um dos grupos que participo, algumas pessoas ficaram “conversando” com essa IA. A ferramenta argumenta que basta que retiremos este membro do grupo para que o recurso de IA nao seja usado.

Só que as coisas não são bem assim.

O fato de a empresa ter inserido um componente no grupo a revelia dos participantes é complicado.

Outra coisa a considerar é a assimeteia de poder, muito bem argumentada pela Cathy O’Neil no livro Weapons of math destruction [7]. Quando nós (pessoas) entramos em um grupo de WhatsApp, não temos acesso ao que foi discutido antes de nossa entrada lá. Faz sentido. No emtanto, não sabemos se o mesmo acontece com esta IA da Meta. Da mesma forma que ela guarda em seus servidores todo o histórico das conversas, por qual motivo não daria acesso a esse histórico para a sua ferramenta de aprendizado de máquina? Por via das dúvidas, devemos considerar que esta ferramenta terá acesso a todo o histórico de conversas do grupo. Como disse, por quê ela não teria?

A Meta / Facebook já nos deu mais do que uma vez provas de que não faz exatamente o que fala que faz; lembra do caso do advogado belga retratado no filme “terms and conditions may apply” [8]? Então, mesmo que o dono de um grupo não queira esta funcionalidade e retire a IA, não há qualquer garantia de que todas as conversas anteriores já não tenham sido coletadas e agora abasteçam o aprendizado e os bancos da Meta / Facebook.

Isso é muito grave.

Com os dados de um sem numero de grupos e conversas, a empresa tem em suas mãos uma quantidade de informações inimaginável.

Ações de publicidade altamente direcionada no Instagram e no Facebook é o minimo que podemos esperar como consequência disso.

Entretanto penso que a coisa seja ainda mais grave e o buraco seja ainda mais profundo.

Pense na quntidade de grupos que você participa referentes a trabalho. Se voce trabalha em uma empresa com mais de 50 funcionarios, chances são que muita coisa da gestão da empresa aconteça justamente ali naquela plataforma. Pense nos grupos que envolvem os seus chefes. Pense nos grupos que envolvem os diretores da empresa; os tomadores de decisões.

Tudo o que eles disseram está abastecendo a IA da Meta e não há quem me prove que a Meta já não esteja fazendo isso.

O problema é que agora ficou público; talvez porque verdadeiramente tenha chegado o momento de coletar o retorno pelos 22 bilhões de dólares investidos em 2014.

Então, tão importantes quanto nossos dados e mensagens individuais, pensemos no impacto dessa ferramenta ter acesso a informações da gestão de milhares de empresas. Pense que os gestores, diretores e executivos conversam sobre assuntos delicados nesse aplicativo e a Meta agora formalmente sabe de tudo. No mínimo, saberá de tudo a partir de agora (pisca, pisca).

Tendo conhecimento do histórico e da falta de cuidado que a empresa tem com as informações que coleta, isso e assustador [9].

Não que ela não coletasse dados antes. Isso é bem possível e plausível, visto que ter inserido um novo membro nos grupos sem que ninguém fosse consultado é um indicativo de um comportamento altamente invasivo.

Reforçando, o que é grave neste momento é que isso está às claras.

Ou seja: é bem possivel que dados estejam sendo coletados há um bom tempo.

Mas, então, o quê fazer?

Tão certo quanto o desrespeito à privacidade por parte da Meta é saber que veremos muitos argumentos do tipo “Mas o WhatsApp já sabe de tudo mesmo, que mal faz?!”. Ou então a argumentação de que “já está tudo lá mesmo, não há o que fazer!”. Estes argumentos são preguiçosos e sabemos disso. Devemos lutar contra eles com contra-argumentos coerentes.

Pensemos nessa situação e sua analogia com a de uma pessoa que fuma há alguns anos e descobre um efizema pulmonar. Será que essa pessoa vai reagir com um “Ah, mas agora já estou com este efizema, não preciso parar de fumar!” ou será que ela é aconselhada pelo seu médico a parar de fumar em função disso? Eu acho que a segunda possibilidade é mais plausível. Se a pessoa quer manter-se viva, o ideal é que ela pare de fumar. Não é? Pelo menos é a mudança de atitude esperada. Sabemos já haver um dano, mas isso não significa que porque este dano ja esteja feito que nao exista mais solução. A solucao é parar de fumar.

Outro exemplo: uma pessoa que nunca cuidou da alimentação pode descobrir que tem diabetes antes dos 50 anos. O comportamento esperado é que exista uma mudança de hábitos para tentar parar o avanco da doença. Se a pessoa continuar com estes hábitos, as consequências podem ser a cegueira e amputação de membros. Nesse sentido, pessoas que descobrem que tem diabetes costumam mudar comportamentos.

Então. Tal qual uma pessoa que descobriu um efizema ou recebeu o diagnóstico de diabetes, devemos mudar de atitude. Meu argumento é que devamos evidenciar essa necessidade para todos. Por isso estou aqui.

O tempo que usamos esta plataforma causou um dano. A aplicação dessa IA nos chats é um sinal desse dano. Este dano pode não ser visível agora, mas sabemos que ele vai nos causar problemas em breve se seguirmos com este comportamento. A solução é mudar de comportamento.

Feito o dano, não quer dizer que esteja tudo perdido. A gente deve – como pessoas responsaveis – agir ativamente para impedir que o dano continue / aumente ou nos traga mais prejuízo.

Por isso, o que tem pra hoje é que a gente deve mudar de hábitos. Minha sugestão para o momento é usar o Signal [10].

Você pode ter dificuldade em convencer algumas pessoas, clientes ou colegas de trabalho, mas não deve deixar de tentar. Mude o que conseguir mudar para o Signal.

Seria “A geração ansiosa” apenas pânico moral?

Muito tem se falado sobre o livro “A geração ansiosa” do Jonathan Haidt. Eu mesmo falei sobre as ideias que o autor defende aqui e aqui. Sigo achando que o texto é bem importante e precisa ser trabalhado / discutido. É o que tento fazer neste post.

O livro figura entre os mais vendidos nas listas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos desde o seu lançamento. Penso não ser por acaso. Quem está presente no processo de educação e formação de crianças, adolescentes e jovens adultos, tem percebido o impacto que as tecnologias digitais interativas tem proporcionado. Para o bem ou nem tanto.

Gostaria, dentro dessa proposta, de colocar o texto em pauta e falar sobre como ele está sendo tratado em alguns lugares que tenho visto / ouvido / lido. Peculiar que, pelo menos quatro pesquisadoras com produções bem sólidas e consistentes sobre o contexto digital e o comportamento e adolescentes tem colocado que as coisas que o autor fala em seu livro seriam puro pânico moral; minimizando os impactos colocados no livro referentes às mídias sociais e saúde mental – especialmente de adolescentes. Acho engraçado que parte dessas pesquisadoras têm tanta raiva parece do que está no livro dele que se recusam até a mencioná-lo pelo nome, mas fazem menção o tempo todo às colocações do livro e recentemente, elas se manifestaram em três podcasts diferentes sobre esse assunto, e isso é uma coisa bastante interessante de se perceber. Você pode ouvir estes episódios aqui, aqui, aqui e aqui. As pesquisadoras em questão são Candice Odgers, danah boyd, Alice Marwick e Devorah Heitner.

Já li um bocado de coisas escritas por todas estas autoras e uso com frequência textos escritos especialmente pela danah boyd e Alice Marwick em minhas aulas. O que elas falam tem grande peso e me ajudam bastante a entender o mundo e os impactos das tecnologias digitais interativas nas vidas de crianças e adolescentes. O que elas falam sobre o texto do Haidt precisa ser observado com atenção, porque há muitas críticas bem importantes a considerar.

Minha interpretação, no entanto, é a de que, apesar das críticas, o que Haidt trabalha em seu texto precisa ser assunto entre pais e educadores.

De fato, a gente tem que olhar as colocações do Jonathan Haidt em perspectiva e não colocar tudo o que está em seu livro como verdade absoluta ou mesmo entender que tem apenas o valor de face declarado por ele. A gente não deve fazer isso com nenhum texto de qualquer autor que seja, diga-se.  No entanto, parte das críticas das autoras mencionadas acima se relaciona a relação de causa e efeito que o Jonathan Haidt coloca entre uso de mídia social e  problemas de saúde mental em adolescentes. Tendo em vista esta relação que ele propõe entre o uso de plataformas sociais como causas de problemas observados na saúde mental de adolescentes, há que se compreender que, embora pareça ser evidente que existe uma relação, ela não necessariamente é de causa.

Vejam, temos – coletivamente – mais acesso a ferramentas, tratamentos, profissionais e demais aparatos de diagnóstico de saúde mental nos últimos anos. Isso, por si só, poderia ajudar a explicar o aumento de diagnóstico de condições relacionadas a piora de saúde mental das pessoas. No entanto, a gente precisa entender que as dinâmicas sociais são complexas e muitas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. O aumento de diagnósticos coincide com a adoção de plataformas sociais em larga escala, mas também coincide com uma série de outros acontecimentos globais (guerras, mudanças climáticas, conflitos de diferentes tipos, desigualdade social, injustiças de toda sorte… a lista não para).

Isso não quer dizer que não exista qualquer tipo de influência.

O que quero dizer aqui é que, embora seja um pouco inocente e presunçoso postular categoricamente que a causa dos problemas de saúde mental enfrentado por adolescentes seja as plataformas sociais ou mesmo a emergência e uso dos smartphones, não dá para negar que as plataformas sociais influenciam nossa saúde mental. Mais sobre isso adiante.

As principais críticas das autoras citadas sobre o trabalho do Jonathan Haidt vão direto no ponto de que a relação que ele estabelece de correlação e causalidade entre uso de mídias sociais e declínio na saúde mental das pessoas é fraca e não há evidências suficientes de que seja essa a causa do problema que temos visto (isso não é especulação) na saúde mental das pessoas; em especial de adolescentes. Mesmo levando em conta o cenário a partir de 2019, enfatizado pelo autor em seus argumentos. Evidentemente estas críticas são muito importantes e precisamos sempre tomar cuidado para que não deixemos que fatos A e B que acontecem em um mesmo período sejam entendidos como tendo uma relação de causa e consequência entre si.

Mas fato também é que precisamos sempre tentar compreender o cenário geral em que um determinado fato se encaixa. O que o Jonathan Haidt fala encontra bastante relação com o que as pessoas percebem no dia a dia. Não por acaso, como escrevi no começo do post, o livro dele tem sido muito lido mundo afora.

Quando comecei a escrever este texto no dia 09 de julho o livro era o segundo mais vendido na lista do The New York Times, estando na lista por 14 semanas. Entendo que essa reverberação existe porque quem está reverberando o que o autor fala no livro está vendo coisas acontecerem. E é por isso que penso que temos que conversar sobre o assunto do livro.

Para quem não teve a oportunidade de ler o livro ou o artigo que ajudou a lançar o livro publicado na revista The Atlantic, recomendo acompanhar a fala do autor apresentando o livro e suas ideias em um evento bem bacana do Center for Humane Technology. Você pode assistir esta fala aqui:

O argumento mais eloquente que vai além da questão das relações de causalidade indicado pelas quatro autoras que mencionei antes vem de pessoas que discutem os impactos das tecnologias digitais interativas em nossas vidas com uma perspectiva tecno-otimista. Entendo ser o caso da jornalista Taylor Lorenz, que tem um excelente podcast sobre cultura digital chamado “Power User“. Uma das falas referenciadas acima foi publicada no podcast dela, quando entrevistou a danah boyd.

Taylor frequentemente critica o texto de Haidt classificando-o como pânico moral (danah boyd faz o mesmo). Recomendo em especial este vídeo da Taylor Lorenz sobre o assunto para ajudar a construir uma reflexão sobre o assunto:

Infelizmente uma coisa que penso ser importante para ajudar no contexto aqui não é possível replicar. Recentemente estava navegando pelo Instagram quando me foi recomendada uma postagem que a Taylor Lorenz comentou. O comentário dela foi justamente um grito para que não concordemos coletivamente com o argumento de Haidt sobre o que ela qualifica como panico moral.

Como disse – por causa da natureza da plataforma Instagram (que é um lixo) – eu não consegui localizar novamente esta postagem que lembro-me apenas ser de um veículo de notícia. O que me marcou nesse exemplo foi o comentário da Taylor Lorenz e as respostas que pessoas colocaram ao comentário dela… quando parei para ler as respostas das pessoas sobre o que ela havia comentado, chama atenção o que uma mãe falou para ela. Era mais ou menos assim “Taylor, conheço seu trabalho e gostaria de saber mais sobre isso, porque eu estou percebendo isso na minha casa”. Como esta, várias outras respostas mencionavam este aspecto de que as pessoas entendiam o argumento da jornalista, mas estavam percebendo justamente que os adolescentes e crianças de seu convívio demonstravam problemas ou dificuldades relacionadas a saúde mental, sem mencionar as questões relacionadas às dinâmicas familiares impactadas pelo uso de dispositivos móveis.

O isso que a mãe faz alusão na resposta à jornalista é o definhamento da saúde mental de jovens. É o que eu estou percebendo também em meus círculos. Então isso é uma coisa importante de levar em consideração (não apenas por estes dois exemplos, mas pelo contexto geral que vivemos). Há indícios de que as pesquisas faladas ou mencionadas pelo Jonathan Haidt sejam fracas para que se estabeleça a relação de causalidade que ele estabelece no livro. Quanto a isso, entendo ser algo acertado.

Por outro lado, há de se perceber que estamos vivenciando questões graves relacionadas às mídias sociais às plataformas sociais principalmente. Estas questões se relacionam e têm impacto direto na saúde mental das pessoas.

Então, o que quero dizer é que vai ser muito inocente de nossa parte não considerar o contexto de conflito a gente coletivamente vê, por exemplo, desde 2013 no Brasil e que, também em virtude de período eleitoral, ganhou proporcóes mundiais em 2016 com as eleições presidenciais nos Estados Unidos.

A gente vê o que aconteceu aqui no Brasil em 2013 e 2014, que foi uma intensa movimentação política a partir da instrumentalização das plataformas sociais e como isso foi trabalhado trazendo consequências coletivas muito mais graves do que apenas brigarmos com parentes em grupos de WhatsApp. Tanto na eleição de 2018 quanto durante o período de pandemia a gente sofreu coletivamente consequências e desdobramentos que se deram em função do uso das plataformas sociais, da sua instrumentalização e apropriação política e da influência dessas plataformas no comportamento coletivo.

Portanto, reforço, vai ser muito inocente da nossa parte perceber isso no comportamento coletivo e organização política da sociedade e movimentação coletiva e comportamentos em volta de questões ideológicas na sociedade e separar outros possíveis desdobramentos, ponderando que as plataformas sociais não influenciam a saúde mental dos adolescentes e crianças.

Penso ser de uma inocência e deslumbre absurdos a gente perceber como o uso das plataformas afetas nosso coomportamento coletivo e influencia decisões políticas e eleitorais mas separar o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens adultos desse contexto. Estamos percebendo isso no mundo ao nosso redor, por isso penso que precisamos, claro, colocar essa leitura do Jonathan Haidt em perspectiva, olhando com o olhar crítico, mas também ter em conta que as plataformas sociais e os instrumentos de comunicação mediados por tecnologias digitais que temos usado proporcionam sim alterações sociais e individuais.

As críticas ao que Jonathan Haidt escreve não devem buscar invalidar por completo o que ele está registrando. Acho que necessário é focar na tentativa infeliz de estabelecer relação de causa e consequência. Este é o ponto realmente fraco de seu argumento. Entretanto, não creio que as considerações que ele faz sobre o definhamento da saúde mental de adolescentes e sua eventual relação com as mídias sociais sejam algo desprovido de conexão com a realidade.

Penso ser importante considerar e levar em conta que impactos referentes ao uso de tecnologias digitais interativas por adolescentes certamente existem. No entanto, entendo também que talvez não tenhamos desenvolvido ainda o instrumental metodológico necessário para poder fazer essa análise.

Nesse sentido, eu entendo que, quando o aparato metodológico apropriado para enxergar esta relação (uso de mídias sociais / smartphones e saúde mental)  a gente vai ver resultados desse impacto. Penso que veremos a manifestação desse impacto no futuro.

Então, essas crianças que estão se desenvolvendo hoje com a tela na frente dos seus rostos o tempo todo que elas estão crescendo e sendo alfabetizadas com o TikTok e congêneres, certamente apresentarão consequências disso em seus futuros. Apenas não temos ainda o instrumental metodológico necessário para falar ou para avaliar esse impacto agora.

Nesse sentido, interessante registrar que é bastante peculiar olhar com o olhar da formação que tivemos (pessoas que foram adolescentes nos anos 1980/1990) e que somos hoje os pesquisadores nas universidades; que tivemos uma formação como à que fomos expostos e ver argumentos de que o smartphone ou as mídias sociais não proporcionam um impacto na saúde mental do adolescente.

Nós não podemos simplesmente falar isso. Seguir com a argumentação tecno-otimista de que não há impactos é leviano porque estamos olhando o impacto que estes elementos tem na nossa vida como adultos e a experiência real do mundo palpável está nos mostrando / evidenciando outra coisa.

Por fim, penso que essa nota poderá ser útil pra organizar o argumento no seguinte sentido: não devemos nem podemos olhar a criança de hoje e falar que ela ou o adolescente com o celular em mãos o tempo todo não recebem impacto dessas tecnologias e das mídias sociais em suas formações. Declarar a ausência de influência com o olhar de quem já é formado, de quem foi formado com livros e que hoje é adulto, e, apesar de ter muita dificuldade, consegue identificar que o telefone precisa ficar desligado, por exemplo, é inocente demais. Olhar o adolescente que hoje fica exposto a telas durante todas as horas que está acordado e falar que isso não vai ter impacto em sua saúde mental é quase uma piada.

Os terríveis custos de uma infância baseada no telefone

Semana passada eu recebi um texto muito interessante na newsletter do The Atlantic que trata de como as telas de celular proporcionam impactos no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes. O texto é uma espécie de resumo de um livro que está sendo lançado do Jonathan Haidt. Deixo a vocês uma versão que traduzi, aqui.

Resolvi gravar um vídeo falando um pouco sobre este texto:

Neste vídeo, além de fazer breves comentários sobrte o texto, eu falo das relações entre este material e algumas outras leituras, como o livro “It’s Complicated” da danah boyd, os livros “No enxame“, “Sociedade do cansaço” e “Sociedade da transparência” do Byung-Chul Han, o texto “Hiperativos” do Cristoph Türcke e também “O show do Eu” da Paula Sibilia.

Como achei que o vídeo acabou ficando um pouco curto, achei melhor complementar. Eis um segundo vídeo sobre o texto:

Gostaria de saber o que vocês acham sobre isso a partir dos seus comentários. Vocês tem percebido esta alteração no desenvolvimento das crianças e adolescentes?

Alguns comentários sobre a proibição do uso de IA pelo TSE para criar e propagar conteúdos falsos

Ninguém pediu, mas eu fiz uns breves comentários sobre a proibição do uso de IA pelo TSE para criar e propagar conteúdos falsos.

Com relação a essa regulamentação do TSE, de proibição do uso dessas ferramentas para criar e propagar conteúdos falsos, tem duas coisas que eu acho que são bastante interessantes de se prestar atenção.

  1. A primeira delas é que isso não veio do Congresso, que é quem elabora leis, então isso é uma coisa particular de se chamar atenção. Eu acho que é uma atitude interessante, porque a gente está em ano eleitoral, então o TSE tenta, de alguma maneira, dar uma resolução a esse assunto ou a essa questão em ano eleitoral, já que o Congresso não conseguiu fazer isso em tempo hábil.
  2. Sobre a resolução em si, eu acho que ela é interessante no sentido de não tentar inibir o uso dessas ferramentas, porque quando você faz isso de uma maneira irrestrita e ampla, você acaba eliminando a possibilidade de outras produções serem feitas, porque para contemplar o que demandaria a regulamentação, você acabaria evitando outro tipo de produção.

Nesse sentido, é possível que se use, mas a resolução está mirando nas coisas que são notoriamente inverídicas. Então, você colocar uma pessoa num lugar que ela não esteve, você colocar uma pessoa falando uma coisa que ela não disse, etc., isso é o que está na mira, e eu acho que é bastante interessante nesse aspecto, levando em consideração especialmente que nós estamos em ano eleitoral.

E tem uma outra coisa que é legal dessa resolução do TSE, que é a de colocar as plataformas como corresponsáveis. Então, isso é uma coisa realmente bastante interessante, porque se o material está nas plataformas, as plataformas ficam aí corresponsáveis e devem retirar esse material quando identificado for que eles são falsos. Só que aí tem todo um processo para evidenciar que isso é falso, evidenciar que a coisa não aconteceu, evidenciar que a pessoa não falou isso.

E aí a gente tem um período em que se publica o material até que o material seja retirado do ar. Então, isso é uma coisa complicada também. Na regulamentação, no que foi regulamentado pelo TSE, há a necessidade das plataformas de dedicarem espaço para que seja esclarecido que aquilo não era verdadeiro.

Mas ainda assim, como as plataformas são algoritmicamente manipuladas, a gente fica com uma dificuldade grande para verificar como que isso aconteceu de verdade. É claro que aqui a gente tem que ficar pensando em um monte de possíveis desdobramentos disso, mas é sempre complicado a gente ter esse tipo de exigência. O problema não é a exigência em si, mas como você vai conseguir fazer uma verificação de cumprimento daquela exigência, daquela demanda.

Resumindo

Penso que seja uma proposta bastante interessante porque ela não inibe o uso dessas ferramentas. A gente entende que o uso dessas ferramentas pode ser bastante benéfico porque ganha-se tempo para produção, ganha-se tempo automatizando processos e tudo mais quando a gente utiliza essas ferramentas de geração de conteúdo, de imagem, de texto. Isso pode ser interessante.

Porém, aí tem uma coisa que é muito legal da proposta que é a de focar naquilo que é inverdade, naquilo que é mentiroso. Colocar uma pessoa num lugar que ela não estava, colocar uma pessoa falando uma coisa que ela não disse. Nesse aspecto, isso é bastante interessante.

E prever a retirada e também dedicar-se espaço, tempo e alcance para que a verdade, depois de provada, seja colocada. Tem um desafio de fazer isso acontecer durante o período eleitoral, mas ainda assim é bem interessante que exista essa regulação.

O governo Lula precisa de um blog nos moldes do blog da Petrobras

(Estas reflexões começaram a ser escritas durante o período de transição do governo de Jair Bolsonaro e Lula, ao final de 2022. A ideia era recomendar que fosse adotada pelo governo Lula uma abordagem semelhante à que a Petrobras iniciou durante o período crítico da operação Lava Jato)

A digitalização da comunicação, evidenciada pela inserção das tecnologias interativas no cotidiano da sociedade, proporciona uma série de desdobramentos. Um exemplo desses desdobramentos é o deslocamento do poder que, no contexto de um mundo conectado, é também compartilhado com aqueles que outrora não dispunham do ferramental necessário para serem também emissores (Castells, 2015).

A agora ubíqua capacidade de indivíduos também poderem emitir informações neste suporte interativo evidencia um contexto comunicacional marcado pelas interações diretas entre a origem de uma informação e a sua audiência (Finnemann, 2011) demonstrando a formação de uma dinâmica menos transmissiva e mais dialógica, interativa e personalizada (Martinuzzo, 2014).

Neste contexto podemos perceber a emergência da comunicação direta; ou ao menos da entrega de informações diretamente de um emissor (que pode ser uma pessoa, uma marca, uma entidade de governo ou uma figura pública) e uma audiência que se dispõe a se conectar com este emissor, sem a intermediação de uma entidade de mídia; um veículo da mídia de massa (Oliveira e Mendes, 2020). A este fenômeno de conexão entre a fonte de informação e a sua audiência por meio de mídias digitais interativas, chamamos desintermediação. Embora o conceito de desintermediação venha recebendo críticas recentes (Taylor e Marx, 2023) – estas serão tratadas oportunamente em nova publicação – o potencial, mesmo com as intervenções relatadas por Taylor e Marx (2023) por parte das plataformas de mídia social, prevalecem.

Da mesma forma que nas relações entre indivíduos, a desintermediação provoca alterações na comunicação organizacional. Num contexto regido pela comunicação nas mídias de massa não era possível para as organizações estabelecer diálogos com a mesma facilidade ou com os mesmos recursos multimodais agora disponíveis. A Internet representa de forma consolidada este conjunto de recursos, considerados significativamente transformadores da cultura e da sociedade (Hjavard, 2015).

Criado como um espaço para funcionar como plataforma de conversação entre a organização e a sociedade (Lemos, 2009), o Blog da Petrobras, intitulado Fatos e Dados, representa bem um processo de desintermediação proporcionado pelas tecnologias interativas, já tendo sido, inclusive, objeto de investigações sobre convergência (Moschetta e Jacopetti, 2009; Träsel, 2009), o impacto no processo de produção de notícias (Loose e Franzoni, 2009) e a imagem da organização (Barbosa, 2012).

O blog da Petrobras faz parte de um conjunto de espaços conversacionais onde a organização pode estabelecer um contato direto com a sociedade com a oportunidade de construir a sua própria narrativa. Sua criação coincide com o período da história brasileira em que a Petrobras fazia parte do noticiário nacional em função das investigações relacionadas aos esquemas de corrupção descobertos envolvendo a empresa (Oliveira e Mendes, 2020). O blog Fatos e Dados se coloca, então, como uma fonte oficial de informações simplificadas e esclarecedoras da organização, abordando suas ações e esclarecendo eventuais problemas que possam ser desenvolvidos a partir de interpretações feitas sobre os fatos em publicações na internet e na mídia de massa.

Durante o governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, a Presidência da República se dirigia semanalmente por meio de vídeos transmitidos ao vivo em diferentes canais nas plataformas sociais comerciais (Soares, 2021). Este comportamento permitiu que o então presidente da república estabelecesse um canal de comunicação desintermediada – pelo menos potencialmente, visto que as plataformas sociais comerciais ainda realizam a intermediação conforme apontado por Astra Taylor em Taylor e Marx (2023) – com a sua audiência. Embora este tipo de ação seja eficiente em termos de conquista de um alcance potencial alto e uma comunicação dentro dos moldes da já abordada desintermediação, há uma questão importante a considerar sobre seu formato.

As transmissões ao vivo de Jair Bolsonaro enquanto presidente da república apresentavam um formato estético bastante questionável. A impressão é a de que se construía uma aura de espontaneidade e simplicidade bastante artificiais (Costa, 2023). Além disso, a linguagem utilizada e a forma que as informações eram tratadas deixavam uma impressão de que as decisões eram tomadas na base do improviso. Esta abordagem proporcionava inegavelmente uma aproximação com importante parcela da população que apoiava o presidente. No entanto, não havia nenhum princípio básico de jornalismo ou mesmo de comunicação organizacional aplicado nos conteúdos das transmissões. Além disso, faz parte da questão relacionada a essas transmissões ao vivo a ausência de qualquer tipo de verificação ou mesmo contextualização das informações passadas. Ao que parece ser, este tipo de abordagem era intencional e ajudou a criar enorme ruido na comunicação e nas dinâmicas envolvendo o acompanhamento noticioso do governo.

O conjunto de táticas operadas pelo governo Bolsonaro em suas transmissões ao vivo colaboraram de sobremaneira para o acirramento da polarização política no país e também para o crescimento no comportamento de descrença na mídia de massa e no jornalismo no Brasil bem como proporcionou vários episódios de espalhamento de desinformação no país.

A sugestão seria, portanto, a de que o governo Lula adotasse postura e táticas semelhantes às da Petrobras e não as que foram operadas pelo governo de Bolsonaro. Estabelecer um canal formal de comunicação direta e desintermediada por meio de um blog e não de uma plataforma social comercial. Além disso, a adoção de uma abordagem formal e institucional de transmissão da informação. Motiva esta sugestão a necessidade de uma recuperação de credibilidade do governo e da ideia de que processos estão sendo executados dentro dos trâmites formais e corretos. De igual maneira a adoção deste formato possibilitaria o escrutínio por parte da mídia de massa em uma dinâmica que poderia proporcionar uma retomada da credibilidade tanto da classe e dos processos pol;íticos quanto da própria midia de massa.

É fácil compreender como pode se parecer atraente e convidativa a adoção de uma estética informal de comunicação e a entrega de informações de forma desordenada (falsamente espontânea) por meio das plataformas sociais comerciais. Entretanto, a perpetuação desta estética pode proporcionar consequências ruins num longo prazo justamente porque isola a imprensa do processo e das dinâmicas comunicacionais que envolvem o governo e colabora com o crescente descrédito da população acerca da classe e dos processos políticos e, claro, da própria imprensa.

Infelizmente a escolha do governo Lula foi a de dar sequência a este tipo de abordagem com algumas adaptações. Esta abordagem tem se mostrado ineficiente porque, em primeiro lugar gera a possibilidade de comparação com o governo anterior (Nadir e Albernaz, 2023), o que já é ruim. Em segundo lugar não chega efetivamente a alcançar os mesmos resultados que o governo anterior junto à sua base, que se comporta de uma forma um pouco diferente daquela de seu antecessor.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Valéria Magalhães. Blog corporativo: uma ferramenta para fortalecer a imagem institucional. Revista Ciências Humanas, [S. l.], v. 3, n. 2, 2012.

CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicação. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

COSTA, Júlia Morena. Emulações da Precariedade e Autenticidade nas Cenas Bolsonaristas: Análises da Estética da Extrema-Direita Brasileira. Revista Letra Magna, v. 19, n. 32, 2023.

FINNEMANN, Niels Ole. Mediatization theory and digital media. Communications, [S. l.], v. 36, n. 1, p. 67–89, 2011.

HJARVARD, Stig. Da Mediação à Midiatização: a institucionalização das novas mídias. Parágrafo, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 51–62, 2015.

LEMOS, A. Nova esfera conversacional. Esfera pública, redes e jornalismo, [S. l.], v. 6, n. 3, p. 9–30, 2009.

LOOSE, Eloisa B.; FRANZONI, Sabrina. Acontecimento: a inversão na relação entre jornalista e fonte de informação evidenciada no blog da Petrobrás. In: 2009, Anais[…]. . In: 7oENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO SBPJOR. [s.l: s.n.]

MARTINUZZO, José Antonio. Os públicos justificam os meios. São Paulo: Summus Editorial, 2014.

MOSCHETTA, A. P.; JACOPETTI, A. M. Convergência no jornalismo: o caso do blog da Petrobrás. SBPJor-ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, [S. l.], v. 7, 2009.

NADIR, P.; ALBERNAZ, I. Flopou: Lula chega a 2,5 mi de visualizações com 10 lives semanais. 23 ago. 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/governo/flopou-lula-chega-a-25-mi-de-visualizacoes-com-10-lives-semanais/>. Acesso em: 3 jan. 2024.

OLIVEIRA, Caio C. G.; MENDES, Laila A. Organizações Midiatizadas: um olhar sobre as narrativas percebidas no blog da Petrobras e em outras publicações na Internet sobre a nova gasolina brasileira. In: 2020, Anais [….]. . In: 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. [s.l: s.n.]

SOARES, Mônica Melchiades. Populismo e pós-verdade na gestão do primeiro ano da pandemia do Coronavírus no Brasil: as lives semanais de Jair Bolsonaro no YouTube. 2021. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

TAYLOR, A.; MARX, P. Why tech makes us more insecure. Tech Won’t Save Us, 21 dez. 2023. Disponível em: <https://www.techwontsave.us/episode/199_why_tech_makes_us_more_insecure_w_astra_taylor>. Acesso em: 3 jan. 2024

TRÄSEL, Marcelo. Comunicação mediada por computador e newsmaking: o caso do blog da Petrobras. In: 2009, Anais[…]. . In: XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. [s.l: s.n.]

Mastodon / fediverso e idiomas

Depois de 48 horas, terminou a enquete que eu coloquei no Mastodon para saber se as pessoas seguiam perfis que publicavam conteúdo em idiomas diferentes daqueles que elas falam nativamente. Foram 4255 votos e 792 compartilhamentos. O alcance que esta enquete teve superou qualquer expectativa que eu poderia ter. Com apenas pouco mais de 650 seguidores quando comecei a enquete, ela chegou a quase sete vezes o número de pessoas que representam a minha audiência potencial inicial na plataforma.

Para além da questão do alcance, os resultados da pergunta de minha enquete foram bem interessantes. Para muitas pessoas que responderam e comentaram isso parece óbvio e algo que nem precisava ter uma pergunta para saber. No entanto, uma coisa parece passar desapercebida para a maioria das pessoas quando o assunto é a plataforma Mastodon e o fediverso no geral: como o mastodon / fediverso não recebe interferência algorítmica no processo de seleção e sortimento dos posts e na montagem dos feeds, aqui temos mais acesso a postagens de pessoas que escrevem em outros idiomas.

Em plataformas com interferência algorítmica, como as plataformas comercialmente exploradas, isso acontece o tempo todo. Assim, naqueles espaços, o que acontece é que – mesmo que você opte por seguir uma pessoa que escreve em outro idioma – os algoritmos de sortimento e exibição de postagens operam para que você não veja estas postagens ou veja menos postagens de idiomas que não são o seu idioma nativo. Os algorirmos partem do pressuposto de que você fala apenas o idioma de seu sistema ou aquele que você sinalizou interagindo nas primeiras postagens que você viu na plataforma quando começou a utiliza-la (claro que sinais como localizaçào geográfica do aparelho e a localização declarada do endereço IP associado a você quando criou seu cadastro interferem também; são muitos os sinalizadores).

Em plataformas que não são manipularas por algoritmos, como o Mastodon, isso não acontece. Assim, se você opta por seguir cinco perfis de pessoas de cinco países diferentes que postam suas publicações em cinco idiomas diferentes, você vai ver tudo o que estas pessoas publicam. Isso muda de forma substancial as possibilidades de interações com diferentes pessoas e as eventuais relações que se constroem nestes ambientes. Foi para tentar descobrir como as pessoas se relacionam com este conteúdo que eu fiz a enquete.

Agradeço enormemente a todos que responderam e participaram! Aprendi muito com os comentários e os relatos de uso.

Vamos continuar usando o Mastodon / fediverso para conhecer mais pessoas e mais ideias legais e encurtarmos as distâncias, inclusive removendo as barreiras de linguagem!

O Mastodon (na verdade, o fediverso) é o lugar para estar

Eu uso plataformas sociais desde que elas apareceram. Estou conectado e postando há mais tempo do que gosto de admitir.. 🙂

Confesso que meu entusiasmo pelo Mastodon (e pelo fediverso, claro) só aumenta a cada dia.

Hoje pela manhã eu tive a ideia de perguntar para as pessoas que me seguem (pouco mais de 650) no Mastodon se elas seguiam pessoas que falam / postam em outros idiomas que não o seu idioma nativo (link para o post). Quis saber isso porque eu interajo bastante com pessoas que falam outros idiomas na plataforma. Queria saber se meu caso era comum.

 

Nem nos meus sonhos mais ousados eu conseguiria este alcance e este engajamento em outra plataforma. Eu tinha mais de 1300 seguidores no Twitter quando apaguei a minha conta e já cheguei a ter mais de 800 seguidores no Instagram.

Nunca, jamais, qualquer postagem minha naquelas plataformas chegou perto disso. No Mastodon eu tenho pouco mais de 650 seguidores e esta minha postagem recebeu mais de 230 compartilhamentos e a enquete mais de mil e duzentos votos em cinco horas.

O mastodon e o fediverso são o lugar para estar. Olha que eu não vivo de produzir conteúdo. Imagino que a coisa seja ainda mais bacana para quem trabalha com isso.

O potencial é gigantesco.